Trechos de gravações do depoimento prestado pela médica Virgínia Soares
Souza, indiciada por homicídio qualificado contra pacientes da UTI do
Hospital Evangélico de Curitiba, foram obtidos com exclusividade pela RPC TV,
nesta quarta-feira (20). Nas transcrições, ela afirma que foi mal
interpretada por falas como “Quero desentulhar a UTI que está me dando
coceira”. A frase teria sido dita pela médica, mas a origem da gravação
não foi informada pela polícia.
Virgínia dirigia o setor de UTI do Evangélico, onde trabalhava desde
1988. Ela está presa desde terça-feira (19) após investigações que
duraram um ano e partiram de denúncias de funcionários. O conteúdo
completo foi mantido em sigilo “por questão de ordem”, segundo a
delegada Paula Brisola, do Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde
(Nucrisa) de Curitiba.
No depoimento, a médica nega que a frase captada tenha relação com
matar pacientes para abrir mais vagas para pacientes conveniados na UTI.
A prática foi denunciada por um ex-colega de trabalho, que preferiu não
ser identificado. Segundo ele, Virgínia privilegiava atendimentos a
pacientes particulares ou de convênio, em detrimento de internados pelo
SUS.
Virgínia ainda disse não se lembrar de ter proferido outra frase que
consta no inquérito investigativo. “Infelizmente é nossa missão
intermediá-los do trampolim do além”, disse ela a familiares de um
paciente, segundo a polícia. De acordo com o advogado da médica, Elias
Mattar Assad, a cliente foi vítima de má-interpretação dos colegas de
trabalho, que não entendem o jargão da medicina intensiva.
“Foram interpretações equivocadas que deram. Por exemplo, quando o
médico fala em reduzir os parâmetros do respirador, não quer dizer que
vai matar o paciente. Significa que para cada paciente tem um nível que
precisa ser modulado. Há uma série de equívocos”, apontou o advogado em
entrevista ao G1.
O técnico em enfermagem Sílvio Almeida, que trabalhou no Evangélico,
diz que o respirador era utilizado pela médica para abreviar a vida de
pacientes. “A mínima quantidade de oxigênio que o respirador podia
mandar, ela deixava - é sempre 21%. Eu já vi ela várias vezes desligando
o respirador”, contou o ex-funcionário.
O G1 conversou com outro ex-funcionário, que trabalhou
no Evangélico entre 2004 e 2006 e disse que ele e os colegas nunca
denunciaram o caso por temor de represálias. “Muitas das pessoas que
sabiam não se sentiam à vontade de gerar uma denúncia. A Virgínia é uma
pessoa de muita força, muita influência, e seria difícil para
comprovar”, disse o enfermeiro que preferiu não ser identificado.
Segundo ele, houve casos em que a médica chegou a ligar para outros
médicos, do turno da noite, para que os aparelhos de determinados
pacientes fossem desligados. A afirmação é corroborada pelo técnico
Sílvio Almeida. “São dois médicos e uma médica, só que esses eu não vou
citar o nome, que fazem a mesma coisa, que têm a mesma conduta que ela”,
disse. A polícia investiga a possibilidade de outros médicos terem
participado dos casos.
Em nota, a direção do Evangélico disse que o caso é pontual e ocorreu
em uma das quatro UTIs do hospital, na qual toda a equipe foi
substituída. Reiterou também que os mais de 300 médicos do Evangélico
não devem ser julgados pela atitude de uma funcionária, e que o
atendimento em todos os setores do hospital seguem sendo feitos
normalmente.
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